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Notas Criticas

EM SUA FAMÍLIA

A cor produz espaço, por razões de óptica elementar, produz forma também, mesmo que a supondo rodeada de desenho, por hábito mental. Melhor, porém, se entenderá que ela é forma e espaço, ao mesmo tempo. Ou pode sê-lo, na sua situação mais responsável – a rara. Rara, porque é mais rara do que quer parecer a pintura que já um dia se chamou “pintura-pintura”. Ela tem uma confiança total em si própria, que toma caminhos, referentes ou não, de abstração, que a toda a pintura por definição convém, chama-se como tal ou ao contrário. É este o caso da pintura de José Moura-George.
Pintura de paisagem por gosto imediato de o ser, evocando montes e planícies, árvores, água e praias, o céu, azul entre outros, mais ninguém; amarelos de Outono também, depois de explosões solares, e sem Invernos na lembrança. Tudo evocações, quer dizer chamadas à pintura de sensações havidas e colocadas numa falsa memória, como na pintura deve ser, mesmo que “sur le motif” praticada como nunca pode ser. Se a memória é sempre falsa em si, todos os criadores, de artes e letras, devem, além disso, falsificá-la, de outros e específicos modos.
Para os pintores, constitui isso um jogo que se passa necessariamente, fora do realismo em que só os tolos podem acreditar; mas não se passa fora da realidade, exactamente porque, fazendo-o, eles criam a sua realidade. E não se suponha que é uma realidade outra, porque uma só para o homem existe e o homem-pintor reúne, numa só necessidade, a realidade do que se vê e a realidade do que pinta. É por isso que pintura é sempre identi¬ficação. Como acontece nos quadros de José Moura-George.
Pela segunda vez, falando desta obra, a digo exemplar; e preferi supor que falo não dela, mas nela, para melhor exactidão do que se saiba escrever. Que é maneira, também, de criar uma realidade que ao pintor e ao crítico por necessidade convenha.
O que vê então, o pintor em questão no seu atelier de Colares ou no seu atelier na Florida? Não será o que Matisse via, ao fim da vida, em terras do Sul de França – por paralelo geográfico de naturezas abertas, que ao pintor francês marcaram um fim de descoberta e invenção pictórica? Se alguma classificação fosse necessária à pintura de Moura-George seria de matisseana (outra mais adiante poderá ver-se) no sentido total da palavra, na semântica pictoral que lhe assiste. Nela cabem atitude e cor, amor e felicidade, por satisfação de valores. A cor é feliz nestes quadros porque é vista e feita em liberdade, no amor físico da sua realização, no tempo dela tanto quanto naquele que depois dela se fixou em imagens animadas – como que flutuantes, na suspensão de um momento. Não impressionistas, porque o momento instantaneamente captado não tende a prosseguir, pelas próprias leis do seu sistema óptico, não expressionistas, porque o momento não é determinado por uma anterioridade psicológica. Nestes dois pólos referenciais da criação pictórica, esta pintura assume uma terceira posição, em que a visão é evocada e a expressão é construída; isto é, uma é memória e a outra invenção. Ou seja, a relação com a paisagem olhada, de vários sóis e mares, é não de segundo mas de terceiro grau – ou quarto, na sucessão metafórica da prática do pintor. Aí a sua originalidade por assim dizer histórica, já que no discurso temporal da pintura ocidental ela se insere com referências de outra combinação das situações em jogo, entre o ver e o imaginar, em pintura propriamente dita.
A abstracção que a todo o instante aqui se oferece ao espectador – é-o por necessidade da própria pintura, no processo em que entrou não por propósito estético de oposição figurativa – porque figurativa ela é, em memória e evocação. Foi-o sempre Matisse, recortando papéis que antes pintava com a cor precisa; mas foi-o sempre também outro pintor que mais recentemente morreu (e não vinha dele, mas de Braque, por construção), e que, entre formas e espaços, levava as suas cores a um extremo de significação: era Nicolas de Staël. A história não aceita comparações mas tem famílias, às vezes muito importantes para o seu seguimento.

JOSÉ-AUGUSTO FRANÇA

LIBERTAÇÕES

Liberto dos ditames da funcionalidade e da simbólica, o artista, expõe-se, expondo-se, exposto.
A sua linguagem é a linguagem da libertação. A gramática é ainda a do artesão – artífice mas a paleta cromática está agora ao serviço de um experimentalismo criativo.
A composição é uma, são duas, são aquelas que a estética dos sentimentos entender que é adequada para a finalização da tela.
As linhas geométricas estão lá. A lembrar a necessidade de um horizonte.
A torrente de criatividade desenvolve-se contudo, sob o seu geometrismo.
A mancha desenvolve-se por vários planos não permitindo contudo a ocultação das iniciais, facto que entravaria o processo libertador.

ALICE BRANCO
in Exposição individual, em Lisboa

DO QUE SEI, GUARDO AS SEMELHANÇAS

A pintura nova de José Moura-George talvez pretenda corporizar a consequência formal e imagética do acto de habitar pensando na tela. Entenda-se que essas parcelas de universo podem ser habitadas e nessa necessidade úrgica de enformação simbólica, transformando-se em lugares investidos de conteúdo. Moura-George assume a estruturação do seu pensamento e da forma, por meio de esquemas operativos da dialética da razão e da imaginação, de forma a encontrar o símbolo motor – o analogon –, que vincula o processo da pintura como sistema reconhecível de conhecimentos múltiplos. No contexto dessa catarse pictórica, configura-se a apetência para a consciencialização da necessidade absoluta da transfiguração dos mitos arquetipais absolutos desta sua forma de pintura nas imagens concretas, avaliando-se as opções do pensar de Moura-George pela cumplicidade do sujeito com a experiência de habitar a pintura numa estratégia que não se limita à pura experiência plástica.
A faculdade da pintura de enformar a metáfora, assegura-se para além da transformação quimérica da matéria em forma. Estas obras retomam as incertezas relacionadas com a exactidão da forma e correcção epistemológica na obra de arte decorrente de um sistema narrativo de aparências fenomenais submetidas à descontextualização da linguística formal e semiótica da relação entre sujeito e o referente. Na clausura da moldura, materializam-se sistemas de determinação conceptual que enunciam o meio narrativo sobre o qual a sua finalidade e intenção estética se subordinam à razão ideológica. Mas de novo o significante e o significado encarnam uma natureza autoritária de um exercício proposto e as mesmas suas coisas podem ser ditas de muitas maneiras. As peças são concebidas laboriosamente a partir de um enredo complexo, das quais acabam por resultar cenas de um aparente paisagismo conceptual onde o rigor construtivo das geometrias e das luminosas cores planas nos reportam para os domínios da sustentável certeza da ponderabilidade.

MÁRIO CHAVES
in Exposição individual, em Lisboa

VIDA, MOVIMENTO, COR, PALAVRA E VOZ

O ser humano é o seu próprio pensamento.
Se pensa fogo é fogo. Se pensa cor é cor, tal como José Moura-George que “percorre a idade dos ventos” e “sabe de cor o lugar da manhã”.
Porque sabemos que a origem da arte se encontra no domínio do eterno, do imperecível, da tensão dialéctica do que permanentemente nos afecta, percebemos a complexidade/simpli¬cidade de “era só água e sol”, “das coisas inúteis que garantem a soberania” e do “amor por coisas sem importância”.
José Moura-George oferece-nos um mundo mítico que através da transmutação fenomenológica reflecte um cosmos, uma ordem, na qual os fenómenos quotidianos assumem um valor diferente porque as leis que os determinam são anuladas. Cria uma nova harmonia desvendando linhas e campos de força, indícios de uma vida subjacente aos objectos, até agora invisível, que ele traz à luz da nossa contemplação.
Porque a “imaginação” não é mais do que a visão de uma coisa que já não existe e que, em si mesma, permanece necessariamente intocada pelo acto de ver. Pela imaginação o que existe em estado latente ou em essência torna-se manifesto e recebe uma forma no pensamento para nossa contemplação, em plena consciência, de que, até então, não havia sido revelado ou que apenas era suspeitado intuitivamente.
Na imaginação ocorre a revelação do Eu para o Eu através de uma mudança no íntimo do Ser. Surgem assim, na consciência de que, até então, não havia sido revelado ou que apenas era suspeitado intuitivamente.
Na imaginação ocorre a revelação do Eu para o Eu através de uma mudança no íntimo do Ser. Surgem assim, na consciência as imagens que podemos atribuir a um criador interior, com o poder de utilizar ou remodelar as formas pré existentes e dotá-las de vida, de movimento e de voz (G. W. Russell).
A obra de José Moura-George sempre nos reconduz para “uma arte moderna”, que não se pode conceber separada do conjunto de actividade espiritual, porque é expressão parcial de um comportamento específico perante o mundo ambiente e o ser humano. Igualmente a sua arte é indissociável da vida, movimento, cor e luz.
Todavia a simbiose mais simbólica e quase absoluta é a cor, voz e palavra: o verbo de todas as iniciações sagradas e profanas, porque “lugar sem comportamento é o coração”, “e daqui só vejo a fronteira do céu”, “o que a gente espera do sonho”, “ocupo-me com o meu desconhecer” e “a luz tem gosto para as margaridas”.
Muito agradeço ao José Moura-George, por todas as coisas: vida, movimento, cor, voz e palavras.

MARGARIDA RUAS GIL COSTA
Directora do Museu da Água

EM COR PRÓPRIA

As obras de arte, testemunhos estéticos, objectos vivos dotados de cargas trans-memoriais, surgem ao observador como livros abertos passíveis de uma multiplicidade de abordagens e leituras. A arte tem este poder de fascínio e cumplicidade que se desvenda a pouco e pouco sem nunca se esgotar numa relação perfeita: artista-obra-observador. As suas especificidades atraem o olhar ora para um dinamismo caótico, ora para uma harmonia petrificada no tempo e no espaço, através das manchas cromáticas, marca inconfundível destas pinturas de Moura–George. É a paixão pela cor, que nos transporta por entre os planos, atravessa a bidimensionalidade do suporte, cria jorros de vida, de alegria e felicidade quase pueril que o artista propõe neste ciclo de obras pictóricas. A liberdade com que é empregue a pincelada denuncia a maturidade do processo criativo, o pintor ultrapassa a forma plástica, sintetizando-a, reduzindo-a ao essencial: a cor. Em suma, o pensar, o fazer e o sentir traduzidos na tela por uma pincelada, pela abstracção de uma pincelada.
A procura da profundidade é substituída pela soltura do movimento, que pode surgir em qualquer direcção provocando uma sucessão de perspectivas que se anulam entre si, existindo apenas num reforço da matéria e rasgando muitas vezes a própria superfície do quadro, estando apenas contida pela estrutura física da moldura, como se ansiasse viver para além da mesma.
A pintura de Moura-George evoca e provoca emoções: de clareza e simplicidade, umas vezes, de caos e desordem outras tantas vezes; e fá-lo de uma maneira deliberada e assumida, fortalecida por um património artístíco já amadurecido. Plena de potencialidades a pintura protege, conserva e recupera momentos, retém imagens perdidas no tempo, não deixa morrer vivências, colecciona simples experiências. A obra de arte vive para além das nossas indagações. Desvendar os códigos originais da obra de Moura-George, em parte só o próprio, mas nós podemos reagir, interagir tentar descobrir os nossos próprios significados na sua produção artística. Podemos fruir as obras de arte de Moura-George num gesto contemplativo e depararmo-nos desde logo com a ausência da figuração em contraponto à celebração da cor. Moura-George parte da realidade, sintetiza-a e ultrapassa-a nas suas telas conferindo-lhes um acentuado nível de modernidade. As diversas combinações cromáticas – formadas por pequenos excertos de cor ou por largas pinceladas – dão corpo a um todo inconfundível, original, único e irrepetível, onde cada cor não precisa de significado preciso, linear; o seu efeito plástico está de acordo com o seu contexto. Arte sensivel e sensual, a de Moura-George, porque explora e estimula os sentidos.

RAQUEL FRAGA
Mestre em História de Arte

PRÓLOGO

Junto-me à imaginação e aos trabalhos do pintor José Moura-George para celebrar a mão, o movimento, a cor e a dinâmica dos cinco sentidos, unidos num único sentido – o olhar. Com ele, ouço, sinto, vejo o mundo, entro e saio do sonho a partir das formas. E são elas, formas, que em mim buscam a harmonia, esta que resulta de uma síntese entre a ordem e a desordem das coisas tangidas e tranquilas que se erguem do meio das paisagens. Nem sempre sei o que querem dizer. A arte vive-se, não se explica; implica-nos na sua atitude, porque é feita de outras evidências. Não tem de haver uma correspondência imediata, ou sequer directa, entre o mundo onírico e imaginário que eu “vejo” na pintura de artista de José Moura-George e o “desejo do real” que ela em mim suscita.
Mas há o azul – este azul eleito que tanto me lembra mar e céu, como logo me anima a um sentimento de equilíbrio, suavidade, ordem e poesia. É esta a cor que preside a todas as outras; a que assegura a ordenação cromática do verde com o amarelo, e de tons que não são mais do que fragmentos de cores; os ocres profundos e enigmáticos, o castanho da terra, o negro mais ou menos esporádico, o vermelho expressivo e algo estratégico de toda a arte combinatória e da composição. E de novo o azul.
Une-me, pois, ao imaginário de José Moura-George esta espécie de fragmentação dinâmica a partir do azul, erguida nas suas formas e cores; e une-me o que ela me sugere de objecto misturado, de unidade suspensa entre o princípio e o fim do espaço-tempo que me prende a estes quadros como se com eles me juntasse à máquina do ser e do mundo.
Mas há, acima das cores e da geometria da obra assim criada, o movimento, o conflito interior e o tumulto da ideia, dividida entre a expressão sentimental e a razão.
Toda a pintura é um caminho, um modo de andar, um rio que vai e não volta, um movimento de ascensão que parte das ideias para as sensações (“aquilo que em mim sente está pensando”, escreveu Fernando Pessoa). Como acto criativo que é, só se completa no “outro”. E esse “outro” sou eu, que recebo nos olhos e no coração as paisagens oníricas de José Moura-George, e que sinto a leveza, a tranquilidade, a paz, a quase alegria de quem passa do seu próprio mundo para a beleza, a harmonia, as cores povoadas e algo vulcânicas deste imenso rio de lava que é como que o sentido genesíaco da sua criação. E, como também eu sou telúrico, vulcânico e insular, faço questão de me repetir: junto-me à imaginação e aos trabalhos do pintor para celebrar a mão, o movimento, a cor e a dinâmica dos cinco sentidos, unidos num único sentido – o olhar.

JOÃO DE MELO
Madrid

EXPOSIÇÃO NO PALÁCIO DA BOLSA DO PORTO

A Exposição de José Moura-George, intitulada “Modos de Saber, a Cores”, constitui um motivo de orgulho
e regozijo para a Associação Comercial do Porto.
Na verdade, esta parceria com o Museu da Água vem dar a oportunidade à cidade do Porto de ter contacto com artistas plásticos que, noutras circunstâncias não seria possível.
Esta é a terceira de muitas exposições que, em conjunto com o Museu da Água, iremos levar a cabo, sempre com um selo de qualidade digno de registo.
O Palácio da Bolsa recebe assim mais um evento que lhe permitirá abrir as suas portas e dar-se a conhecer
a um elevado número de pessoas que de outra forma o não visitariam.
Sejam todos bem-vindos.

RUI MOREIRA
Presidente da Associação Comercial do Porto

NOTA CRÍTICA

Moura-George afirma que o designer responde a perguntas e fornece soluções de problemas. O designer pode também ser um artista, mas a sua vocação é adjuvante e não substituto de bom design.
As interrogações que ocorrem no decurso deste encontro, Indian Blue – Design Gráfico Azul, não são perguntas nem respostas sobre identidade ou definição, mas a forma de toda a obra de arte que depende largamente da relação entre a tensão e a resolução.
Tal depoimento é também aplicável aos trabalhos da presente exposição, onde Moura-George concentrou os seus recursos num duplo objectivo: uma situação de relações geomé­tricas e cromáticas, nas quais a constante presença de índigo/azul elemento obrigatório em “linguagem jeans” e o entendimento que dela terá o observador. No entanto, o seu encanto reside não apenas na ambiguidade visual, mas também na ironia. Letras e objectos representam este papel nos quadros de Moura-George, mas também introduzem uma nota rigorosa de ordem e variedade, inseparavelmente ligados à sua afirmação poética dos valores da imaginação clássica – serenidade, equilíbrio e clareza.
Dentro da linguagem da sua própria geração a sua obra alarga fronteiras daquilo que as linhas podem tornar visível e comunicável.

MÁRIO MENDES DE MOURA
Editor
in Exposição individual, São Paulo e Rio de Janeiro

VER O MUNDO COMO ORNAMENTO

De entre todas as tiranias, a justiça é a mais cruel.
Como pode a bondade fazer frente àqueles exércitos, fumegantes de certezas e de ódios?
Quem conhece o “abre-te Sésamo” que dá acesso ao ilimitado esclarecimento?
Haverá que olhar o mundo como jogo em si mesmo, luminoso e para além de todas as regras.
Tudo depende desse olhar-sem-distância.
Nada existe que não seja esse olhar-sem-distância.
O pintor trabalha para desvendar e regalar-se com essa visão sem percurso.
Sim, porque a salvação é a própria natureza do ser e das coisas.
A libertação pode assim tomar todas as formas, tanto do despojamento como da opulência, tanto do horror como da maior beatitude.
A linguagem do pintor não é linear: está portanto fora do tempo. O tempo, tal como a linguagem e a escrita, não dispensa esse fio de aparente continuidade com que procura abarcar tudo. É por isso que só através da dança e do canto, a linguagem e o tempo se ultrapassam e adquirem uma dimensão outra, em que a linearidade se perde e se dilui.
Para o pintor, o ecrã bidimensional que é o quadro, qual intocável campo matricial, reflecte a natureza profunda dos fenómenos. É apenas um reflexo, e por isso mais verdadeiro e real do que a (nossa percepção da) coisa reflectida.
Diante do mundo somos actores e cúmplices.
Diante do quadro só nos resta a totalidade que é o olhar.
Obrigado Moura-George pela achega que os teus quadros nos trazem, qual ribeiro refrescante que vem namorar o moinho da realidade de cada um de nós, ao tornarmo-nos teus espectadores.

VÍTOR POMAR